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Gestoras falam da importância da abordagem interprofissional na formação de sanitaristas para o SUS

Por: Danielle Monteiro

 

A demanda reprimida na formação de sanitaristas e as conquistas de um projeto inovador voltado aos cursos lato sensu em Saúde Pública deram origem a uma promissora estratégia de fortalecimento do SUS: o curso de especialização em Saúde Pública: uma abordagem interprofissional. Rosa Souza, vice-diretora da Escola de Governo em Saúde da ENSP e coordenadora da Secretaria Técnica e Executiva da Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública (RedEscola); e Célia Borges, diretora geral da Escola de Governo em Saúde Pública de Pernambuco, que acaba de formar suas três turmas, contaram ao Informe ENSP sobre a iniciativa. Confira abaixo a entrevista:

Conte um pouco sobre como surgiu o curso de Especialização em Saúde Pública: uma abordagem interprofissional e seu objetivo.

 

Rosa Souza: O curso de especialização em Saúde Pública: uma abordagem Interprofissional nasceu da constatação da demanda reprimida na formação de sanitaristas e dos avanços alcançados no projeto A Acreditação Pedagógica dos Cursos lato sensu em Saúde de Pública e a Formação em Saúde Pública: uma possibilidade de caminhos convergentes, uma parceria firmada entre a Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do Ministério da Saúde (SGTES/MS) e a ENSP, que formou 610 sanitaristas em dez instituições formadoras, distribuídas em todas as regiões brasileiras. Esta experiência inspirou a elaboração de duas publicações. A primeira, intitulada RedEscola e a Nova Formação em Saúde Pública, realça o relato de cada Escola, com sua história e características singulares, e traz ainda reflexões importantes sobre os processos educativos, como a abordagem sobre as metodologias ativas na formação de profissionais da Saúde. A segunda, envolvendo as mesmas instituições, denominada Nova Formação em Saúde Pública, compartilha as inovações, os avanços e os desafios vividos em cada uma das instituições formadoras da RedEscola, incluindo a importância do desenvolvimento da educação interprofissional e das práticas colaborativas na Saúde. 

 

O êxito dessa iniciativa foi tamanho que submetemos um novo projeto ao Ministério da Saúde, intitulado A Nova Formação em Saúde Pública na Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública: uma abordagem interprofissional. Esse projeto encontra-se em andamento e seu objetivo é expandir a oferta dos cursos lato sensu na área da Saúde Pública para todos os estados brasileiros, contribuindo para a qualificação das práticas profissionais e a organização do trabalho nas instituições de saúde de forma alinhada aos princípios e diretrizes do SUS. Esse novo projeto incorporando a abordagem interprofissional pretende ainda atualizar e avançar na formação de novos sanitaristas, como sujeitos críticos capazes de intervir nos territórios, transformando práticas e realidades. A meta é formar 650 sanitaristas em 26 estados brasileiros. 

 

Quantos foram formados pelo curso no ano passado? 

 

Rosa Souza: A implantação dos primeiros cursos dessa oferta aconteceu no ano de 2019. No ano de 2020, foram concluídas 11 turmas em nove estados, tendo sido formados 397 sanitaristas, especialistas em Saúde Pública. Já nos dois primeiros meses do ano de 2021, foram titulados 137, totalizando 570 concluintes.  Três instituições formadoras ofertaram mais de uma turma, como é o caso da Escola de Saúde Pública do Ceará (02), da Escola de Saúde Pública da Bahia (03) e da Escola de Governo em Saúde Pública de Pernambuco (03). Esta última já com as três turmas finalizadas. A nossa expectativa é concluir o projeto com cerca de 1.100 novos sanitaristas. Esta iniciativa envolve, atualmente, 25 estados brasileiros, caminhando para 26, pois a Universidade Federal de Roraima (UFRR) está em processo de publicação do edital para iniciar seu curso.

 

Qual a importância do curso para a formação de sanitaristas para o SUS? 

 

Rosa Souza: Situando-nos no cenário atual, no qual a pandemia da Covid-19 representa uma tragédia mundial e o Brasil encontra-se com mais de 10 milhões de casos confirmados, registrando mais de 262 mil mortes desde o início da pandemia, tornam-se explícitas a importância do SUS como uma das maiores políticas públicas do mundo, sendo vital para o país; e da atuação dos profissionais e trabalhadores de Saúde, como atores fundamentais para a produção de vida. A pandemia tornou mais evidente a iniquidade tão presente historicamente em nosso país, reforçando a necessidade de um sistema de saúde mais equânime, integral e universal. Dessa maneira, o curso de especialização em Saúde Pública com abordagem interprofissional configura-se como uma importante estratégia de fortalecimento do SUS, especialmente no contexto atual da pandemia, e mesmo em um momento posterior à presente crise sanitária. A situação vigente requer, mais do que nunca, a ampliação da formação de sanitaristas no Brasil, sobretudo dentro da perspectiva interprofissional, visando o desenvolvimento de competências colaborativas em saúde, potencializando o cuidado compartilhado e, assim, promovendo o princípio da integralidade, na prática e no cotidiano do SUS. Então, em síntese, o curso de especialização em Saúde Pública com abordagem interprofissional se insere na perspectiva da ampliação e qualificação da oferta de sanitaristas no país. 

 

Qual o grande diferencial do curso?

 

Rosa Souza: A grande inovação do curso foi a introdução dos aportes teóricos-conceituais e metodológicos da Educação Interprofissional (EIP). Quando desenvolvemos um trabalho colaborativo em Saúde, centrado no usuário, temos maior interação entre os diversos profissionais das equipes, possibilitando maior troca de saberes e experiências e também maior interação com a família e a comunidade, aprimorando o cuidado e potencializando o olhar integral para a singularidade e a coletividade. Nesse processo, cada profissional tem sua importância reconhecida, rompendo com a lógica vertical e uniprofissional que fragmenta o cuidado, gera práticas repetitivas e equivocadas, e fragiliza o vínculo. Todos os profissionais possuem responsabilidade com o usuário, sua família e sua comunidade. Essa concepção se apoia na formação e no trabalho, pautados na comunicação e na interação. A Educação Interprofissional e o trabalho colaborativo em Saúde provocam mudanças potentes na formação e no trabalho em Saúde, buscando a construção conjunta de ações, considerando o usuário na centralidade do cuidado, entendendo que essa realidade é viva e, por isso, sua dinâmica requer parceria e colaboração entre todos os atores envolvidos. Começando com esse olhar na formação, temos uma perspectiva positiva para o desenvolvimento das competências colaborativas em saúde e, por consequência, tornando os novos sanitaristas mais aptos ao efetivo trabalho em equipe.

 

Continuamos apostando fortemente na atuação e no trabalho em Rede para a implementação da EIP no Brasil, com a formação de sanitaristas dentro dessa perspectiva, avançando com a pesquisa de egressos já iniciada e a publicação de um e-book em fase de elaboração.

 

“A dimensão da atuação e das complexas relações do sistema de saúde pública brasileiro, bem como seus desafios e problemáticas estruturais, estão cotidianamente na prática de gestores e profissionais de saúde. Entretanto, a compressão da origem desses problemas e das possíveis soluções para o seu enfrentamento não são discutidas. A especialização em Saúde Pública traz esse debate para dentro da formação profissional, conduzido através de metodologias e práticas pedagógicas problematizadoras, tornando os sujeitos (gestores e profissionais) protagonistas desta resolução de conflitos, de acordo com cada contexto e organização dos serviços."  Elisangela Mendes (sanitarista egressa da Turma Sertão 2019/2020 – ESPPE)

Como a participação da Escola de Governo em Saúde Pública de Pernambuco na RedEscola impacta na formação de sanitaristas?

 

Célia Borges: O projeto da RedEscola, aprovado com financiamento do Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (SGTES/MS), para retomada da formação de sanitaristas em instituições públicas de ensino no país a partir de 2015 foi um marco para o Sistema Único de Saúde. Outra marca relevante do projeto foi a prioridade dessa formação ser executada pelas Escolas de Saúde Pública dos Estados, como reconhecimento do papel e atuação dessas instituições na formação dos trabalhadores e na gestão do SUS.

A Escola de Governo em Saúde Pública de Pernambuco (ESPPE) foi uma dessas instituições contempladas pelo projeto, e ganha destaque por ser a primeira oferta de formação em Saúde Pública pela Escola.

 

A ESPPE tem a regionalização e interiorização do ensino como uma de suas principais diretrizes. Com isso, a formação de sanitaristas pela ESPPE, tanto na primeira como na segunda oferta, ambas em parceria com a RedEscola, foi realizada de forma descentralizada e interiorizada, cumprindo com o compromisso firmado pela Secretaria Estadual de Saúde na qualificação de trabalhadores para o fortalecimento da gestão regional do SUS e da estruturação das Redes de Atenção à Saúde.

 

Vale destacar a decisão política da Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES/PE) em dar continuidade à formação de sanitaristas e que, com recursos próprios, ampliou a oferta em mais duas turmas, totalizando três turmas descentralizadas e interiorizadas na segunda oferta realizada em 2019-2020, por meio do projeto Nova Formação em Saúde Pública na Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública: uma abordagem interprofissional.

 

Qual a importância do curso de especialização em Saúde Pública com abordagem interprofissional da Escola de Governo em Saúde Pública de Pernambuco?

 

Célia Borges: O curso de especialização em Saúde Pública com abordagem interprofissional da ESPPE tem como objetivo formar sanitaristas comprometidos(as) ética e politicamente com a transformação das condições de saúde a partir da formação em serviço no SUS, de forma regionalizada e interdisciplinar, com uma proposta ancorada na Educação Permanente em Saúde e da Educação Interprofissional, como resposta à demanda atual de cuidado em Saúde.

 

Partimos da compreensão de que a interprofissionalidade se revela em um trabalho integrado, realizado em equipe e que considera os diferentes saberes envolvidos, reforçando a necessidade de uma ação colaborativa entre os profissionais.

 

No curso, as atividades de dispersão, além dos objetivos relacionados ao conteúdo das disciplinas de cada módulo, contemplaram objetivos relacionados ao desenvolvimento de competências para o trabalho interprofisisonal. O trabalho de conclusão do curso foi a construção de um Projeto de Intervenção, que exigiu o planejamento e execução com a participação dos outros profissionais que atuam em seu contexto de trabalho de forma interprofissional, aspecto que teve seção específica registrada no projeto.

 

A inclusão dos pilares da interprofissionalidade nas ações educacionais do curso foi desafiante, mas reconhecemos que trouxe grandes contribuições no âmbito institucional e ampliou o desenvolvimento de estratégias político-pedagógicas, com a inclusão da diretriz da interprofissionalidade na especialização e nas demais ações educacionais da Escola. Aos envolvidos na formação (equipe gestora da ESPPE, equipe técnico-pedagógica do curso e docentes), houve ganho de experiência e participação em formação na perspectiva interprofissional e colaborativa, desenvolvendo melhor compreensão das estruturas do trabalho em equipe no SUS.

 

Fonte: http://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/50979?fbclid=IwAR1oAYY32cqYY4CSk...