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Especialistas falam da importância da abordagem interprofissional nos cursos de especialização em Saúde Pública

Por: Danielle Monteiro

Como a Educação Interprofissional (EIP) foi incorporada nos cursos de especialização em Saúde Pública? Quais as estratégias e dinâmicas utilizadas para adotar a abordagem da EIP na formação de sanitaristas? Quais foram os desafios encontrados para assumir a EIP como uma estratégia orientadora da formação na Saúde Pública? A partir dessas perguntas norteadoras, 26 coordenadores ou representantes da coordenação dos cursos de especialização em Saúde Pública de todo o Brasil compartilharam suas experiências na prática em Educação Interprofissional, as quais foram comentadas por três docentes de instituições formadoras de diferentes estados brasileiros como convidados de encontro on-line promovido pela Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública (RedEscola), entre 26 e 28 de maio. 

 

Eles também falaram ao Informe ENSP sobre a importância da abordagem interprofissional em contexto de pandemia, a contribuição da EIP para o posicionamento de trabalhadores da Saúde, professores e estudantes, assim como a inovação da RedEscola na formação em Saúde Pública e Coletiva no Brasil. 

 

Confira a seguir entrevista com os docentes convidados e a vice-diretora da Escola de Governo em Saúde (Vdegs/ENSP) e coordenadora da Secretaria Técnica e Executiva da RedEscola, Rosa Souza:

 

Ao final do encontro, você comentou que nunca foi tão necessária a formação de sanitaristas em nosso país. Comente mais a respeito e sobre a importância da abordagem interprofissional nesse contexto.

 

Rosa Souza (vice-diretora da Escola de Governo em Saúde da ENSP e coordenadora da Secretaria Técnica e Executiva da RedEscola): O Brasil é um país historicamente marcado pelas desigualdades em suas distintas dimensões, com diversas peculiaridades e especificidades que requerem considerar a abordagem dos Determinantes Sociais de Saúde (DSS) e seus impactos na qualidade de vida e saúde da população. A direção a ser seguida por um sistema universal é de garantia de cidadania para todas as brasileiras e brasileiros e esse objetivo é contemplado quando o trabalho acontece na busca da redução das iniquidades tão significativas em nosso país. A busca precisa ser por justiça social.

 

Diante do atual cenário de crise humanitária causada pela pandemia de Covid-19, as injustiças sociais foram escancaradas e agravadas. Fatores que já traziam barreiras são grifados e novos prejuízos surgem. Além do grave adoecimento da população, temos um alto número de óbitos, um aumento significativo no desemprego, abandono e/ou impedimento de acesso à educação, intensificação do sofrimento psíquico e/ou transtornos mentais, grande dificuldade de acompanhamento de outros agravos físicos de saúde que não tenham relação com o novo coronavírus, entre outros.

 

As políticas públicas de Saúde devem ser orientadas a partir das necessidades da população e, para sua aplicabilidade e implementação, o sanitarista é um ator fundamental. A formação em Saúde Pública é extremamente necessária para que o SUS possa promover mudanças e melhorias na saúde da população, trazendo a importância da análise de contexto e do acompanhamento no território, evitando agravamento e hospitalizações, contribuindo para a melhoria da Atenção à Saúde.

 

O sanitarista também promove importantes ações de educação em saúde, contribuindo para maior autonomia e protagonismo do cidadão e das famílias e da comunidade no cuidado em saúde. Dessa maneira, temos uma aproximação maior com a integralidade proposta como princípio doutrinário do SUS. No cenário de pandemia, tais práticas tornam-se primordiais para enfrentamento do novo coronavírus, pois uma população instruída sobre a importância da prevenção tem melhores condições de evitar a disseminação do agente patológico.

 

Levando em consideração os aspectos apontados, torna-se essencial a incorporação da Educação Interprofissional para o trabalho colaborativo, visando uma prática mais efetiva para o alcance do princípio da integralidade da Atenção, conforme preconiza o SUS. Alie-se a já mencionada desigualdade social histórica no país, temos também a desigualdade e fragmentação na atuação dos profissionais de Saúde. As profissões são oriundas, em sua maior parte, de uma formação uniprofissional, o que traz consequências para o cuidado, como maior possibilidade de erros e de condutas repetitivas e desnecessárias.

 

A adoção da formação interprofissional é um grande desafio, tendo em vista que tal perspectiva precisa romper com um modelo de ensino historicamente isolado. Essa orientação precisa nortear instituições e docentes para a formação de sanitaristas comprometidos com o pensamento crítico e uma prática transformadora.  

 

O ciclo de três seminários regionais intitulados As Experiências da Prática em Educação Inteprofissional na RedEscola: compartilhando lições e aprendizados, realizados dentro do escopo do projeto A Nova Formação em Saúde Pública na Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública: uma abordagem interprofissional, uma parceria entre  a ENSP e a Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (SGTES/MS)trouxe um conjunto de inciativas implantadas pelas 26 instituições formadoras envolvidas na formação lato sensu em Saúde Pública, que nos ofereceram debates inspiradores e ricas reflexões, mostrando que um novo caminho na formação de sanitaristas é possível e necessário. As experiências apresentadas foram comentadas por três renomados especialistas convidados, que brindaram os participantes desses eventos com robustas e consistentes sessões didático-pedagógicas, nas quais todas as experiências foram comentadas, reforçando-se a ideia que presidiu os seminários (compartilhamento, lições e aprendizados), destacando aspectos muito relevantes que traduzem os esforços envidados em cada uma das experiências e, mais ainda, as evidências da incorporação da EIP na formação para o SUS.

 

Compartilhando práticas, reconhecendo a importância de cada profissional, trabalhando efetivamente em equipe e fortalecendo a comunicação, temos um ganho imensurável na produção de conhecimento e na produção do cuidado. Para cuidar do sofrimento e das perdas trazidos pela pandemia, é preciso trabalhar conjuntamente. Na trilha para concretização dos princípios basilares do SUS, a abordagem interprofissional é plena de sentidos e potências para fortalecer o nosso sistema público de saúde que se traduz em um direito alienável de cidadania!

 

De que forma a RedEscola inovou na formação de sanitaristas no Brasil?

 

Cristiano Regis (professor da Universidade Federal do Acre - Ufac): A EIP já vem sendo apontada por organizações mundiais como uma importante estratégia para formar profissionais preparados para as demandas de Saúde e dos sistemas de Saúde, que são cada vez mais desafiadoras. No Brasil, a adoção da EIP vem acontecendo principalmente na graduação, seja por meio de mudanças curriculares ou por políticas indutoras, como o PET-Saúde. No que diz respeito à pós-graduação lato sensu, nunca havíamos vivenciado uma experiência interprofissional tão importante e abrangente como essa conduzida pela RedEscola.

 

A RedEscola inovou ao propor uma nova formação de sanitaristas em todos os estados brasileiros, na qual a EIP assume papel de destaque, a fim de que avancemos na prática colaborativa em Saúde. A alta capilaridade dessa proposta no país provocou e continua estimulando um profícuo movimento de reorientação na formação e no trabalho de sanitaristas, de modo que não se poderá mais pensar em Saúde Pública sem a interprofissionalidade.

 

Em termos de resultados, acredito que o maior ganho dos cursos de especialização em Saúde Pública com abordagem interprofissional seja a possibilidade de melhoria da colaboração no trabalho em Saúde nas realidades locais, em que os novos sanitaristas estão inseridos. Isso pode trazer um impacto imediato no trabalho em Saúde e, consequentemente, na saúde da população.

 

Qual a importância da produção e compartilhamento  do conhecimento, promovidos pela RedEscola, para o SUS?

 

Barbara Lima (docente da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas - Uncisal): Primeiramente, é importante demarcar o papel da RedEscola para a formação em Saúde no Brasil. Seu movimento de alcançar trabalhadores da Saúde em todo o território nacional, promovendo acesso à qualificação, aprofundando saberes e compartilhando experiências, é fundamental na busca de um Sistema Único de Saúde - SUS cada vez mais forte, universal e, sobretudo, integral.

 

Essa potência da RedEscola precisa ser compartilhada com a comunidade acadêmica no Brasil (e por que não fora dele?), mas também com a sociedade em geral, e essa socialização é possível, não só pelas suas redes sociais, mas, principalmente, por meio da produção científica e divulgação do conhecimento construído coletivamente no decorrer dos cursos de especialização conduzidos pela RedEscola e seus parceiros nas diversas unidades federativas.

 

É por meio da produção científica e consequente divulgação da mesma, que os trabalhadores da Saúde egressos dos cursos de especialização poderão compartilhar suas pesquisas e vivências, seja via produções relacionadas aos componentes curriculares cursados, ou aos próprios trabalhos de conclusão de curso. Além dos egressos, os gestores locais também podem produzir e socializar relatos de experiências de suas vivências no gerenciamento e execução dos cursos, considerando seus contextos regionais.

 

A socialização dessas publicações científicas permite não só a contribuição com a ciência, mas com o SUS, além de favorecer que toda a comunidade - acadêmica ou não - tenha acesso às potencialidades dos conhecimentos construídos, bem como possa transpor para suas realidades locais, seja na solução de problemas semelhantes ou na proposição de novas ideias a partir do acesso a tais informações. 

 

Durante o encontro, você mencionou que, se a EIP não contribuir para o posicionamento de trabalhadores, professores e estudantes, ela perde seu poder transformador. De que forma EIP pode contribuir para o posicionamento dos trabalhadores da Saúde, professores e estudantes?

 

Sylvia Batista (Universidade Federal de São Paulo - Unifesp): A EIP coloca em questão os modos hegemônicos de aprender e trabalhar em Saúde, conectando saberes e experiências, inscrevendo as práticas formativas e de Atenção à Saúde nos circuitos da política e da cultura. Assim, EIP demanda superar as propostas que se apresentam como novas, mas que reificam uma formação fragmentada e um processo de trabalho em Saúde hierarquizado e disciplinar.

 

Neste sentido, as vivências fundamentadas na educação interprofissional emergem como potentes espaços de circulação e intercruzamento de profissões e modos de cuidar em Saúde, expandindo as concepções de saúde, educação e trabalho em equipe. E mais fundamental: incluir o usuário/a como sujeito central de nossas práticas. Parece-me que o reconhecimento da atenção centrada na pessoa como estruturante da educação e do trabalho em Saúde, constitui-se como algo central na criação e sustentabilidade de novas formas de cuidar em Saúde.

 

Nesta centralidade, se inscreve, igualmente fundamental, o compromisso com o SUS. Portanto, as relações entre Educação Interprofissional e intersetorialidade, integralidade e equidade implicam as aprendizagens compartilhadas, as negociações a partir dos conflitos e diferenças. E aqui insiro uma síntese provisória que venho construindo com companheiros e companheiras de jornada: a EIP apresenta vigor para materializar transformações na formação e no trabalho em Saúde, rompendo com as lógicas assistencialistas e dicotômicas.

 

E seminários como este de que participamos – As experiências da prática em Educação Interprofissional na RedEscola: compartilhando lições e aprendizados – fortalecem os vínculos e as colaborações entre estudantes, professores e profissionais de Saúde na perspectiva de práticas de Atenção à Saúde centradas nas pessoas.

 

Espaços como este, ao privilegiarem e valorizarem as experiências de todas e todos, configuram vivências educativas que encontram inspiração e fundamento nas propostas freiereanas: diálogo, círculos de saber e compromisso ético com a sociedade.

 

Foi uma construção potente de trocas, afetos e interlocuções críticas e reflexivas!

Fonte: http://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/51524?fbclid=IwAR1uvFjzW6HvaNH3P... (Publicado em:04/06/2021)